quinta-feira, 2 de julho de 2009

Painel 02/07

INVESTIMENTO DE FUNDOS EM COMMODITY BATE RECORDE EM PLENA RECESSÃO

INVESTIMENTO DE FUNDOS EM COMMODITY BATE RECORDE EM PLENA RECESSÃO

São Paulo, 2 - O fluxo de dinheiro para os mercados futuros de commodities registrou crescimento recorde no primeiro semestre do ano, anunciando uma aposta dos investidores na recuperação da economia e em futuras pressões inflacionárias. Segundo levantamento preliminar do banco de investimento Barclays Capital, fundos aplicaram mais de US$ 36 bilhões em contratos de metais, combustíveis e produtos agrícolas nos seis primeiros meses do ano, o que significa um crescimento de 86% em relação ao mesmo período do ano passado.

Os investidores enxugaram suas carteiras de commodities depois do estouro da crise financeira, há quase um ano. Os preços de vários produtos desabaram mais de 50% até março, quando começaram a reagir. Desde então, os fundos não apenas aumentaram suas aplicações como reverteram sua posição nas bolsas. Ou seja, liquidaram contratos de venda e abriram posições de compra. Na prática, deixaram de apostar na queda para apostar na alta dos preços.

Apenas no mercado futuro da soja, os fundos abriram quase 100 mil contratos de compra entre março e junho deste ano, segundo dados da Comissão de Comércio de Commodities e Futuros dos Estados Unidos (CFTC). O número corresponde à aquisição de 13,6 milhões de toneladas - ou dois terços da soja colhida este ano no Mato Grosso. Em maio, o saldo total de compra dos fundos nas bolsas americanas de commodities superou a marca dos 800 mil contratos, maior nível desde julho de 2008.

O comportamento dos preços no segundo trimestre mostra que os especuladores foram recompensados. O índice de commodities CRB, que havia caído nos três trimestres anteriores, subiu 13,4% e já acumula alta de 8,9% em 2009.
Outro índice de commodities, o S&P GSCI, registrou em maio sua maior alta mensal desde setembro de 1990 (20%).
Produto com maior peso nas cestas de commodities, o petróleo disparou mais de 30% entre abril e junho; o açúcar, 26,7%; e o cobre, 22,5%.

A reação dos mercados de commodities surpreendeu muitos analistas e levanta dúvidas sobre sua sustentabilidade, já que o mundo continua mergulhado numa das piores recessões da história e sem sinais claros de recuperação. O que mais chama a atenção é o fato de que as matérias-primas que mais se valorizaram nos últimos meses estão entre as mais atreladas ao desempenho da economia.

Inicialmente, analistas acreditavam que produtos agrícolas e metais preciosos seriam as primeiras commodities a se recuperar, levando-se em conta que a demanda por alimentos é menos sensível a variações de renda e o ouro é um ativo muito procurado em tempos de incerteza e aversão ao risco.

Os analistas estavam errados. De acordo com o índice Dow Jones-UBS, os contratos de metais básicos e energia, que deveriam demorar mais para se recuperar, foram os que deram mais retorno no primeiro trimestre - a carteira de metais teve valorização média de 22,4%, enquanto a de energia ganhou 17,4%. Commodities agrícolas e metais preciosos avançaram apenas 5,6% e 1,3%, respectivamente.

"De modo geral, parece que os ciclos de preço das commodities estão acelerando, enquanto os ciclos de investimento físico estão ficando cada vez mais demorados", afirma relatório do Barclays Capital. Para o banco, a mudança na percepção dos investidores em relação à crise e ao potencial de recuperação das economias foi suficiente para que o interesse pela compra de commodities fosse reativado.

Nilson Monteiro, diretor de commodities da Link Investimentos, diz que mercado está "precificando" agora um cenário que não deve se concretizar antes de meados de 2010. Como muitos analistas, ele acredita que as medidas de estímulo econômico praticadas pelos governos de todo o mundo - e que culminaram na injeção de alguns trilhões de dólares nas economias - vão pressionar a inflação no médio prazo.

Juro zero - Como ativos físicos, os preços das commodities tendem a refletir bem a inflação, o que ajuda a explicar o interesse por essa classe de ativos. "Como os juros estão perto de zero nos países desenvolvidos, as commodities tornaram-se um hedge (proteção) muito barato", explica um analista de um grande banco brasileiro.

O levantamento do Barclays ajuda a sustentar essa tese. Cerca de dois terços dos US$ 15 bilhões que entraram nas commodities no último trimestre vieram de fundos indexados, os chamados index funds. Ao contrário dos fundos de hedge, que compram e vendem ativamente, na tentativa de acertar as tendências de preço, os index funds assumem uma posição passiva de compra. Tratam-se essencialmente de investidores de longo prazo, como os fundos de pensão norte-americanos.

"Eles não estão investindo porque o petróleo passou de US$ 70. Eles estão lá para o longo prazo, caso o barril chegue a US$ 200", disse recentemente Michael McGlone, diretor de indexação de commodities da Standard & Poor's.

Tais como os aposentados do Norte, alguns governos também têm aplicado recursos em commodities por meio de seus fundos soberanos. "Catar, Cingapura e China são apenas alguns dos países que estão acompanhando as commodities mais de perto, com foco na diversificação de suas reservas", afirma o Barclays. Segundo o banco, o interesse não se limita à compra de contratos futuros. "Adquirir participação em companhias do setor a fim de assegurar oferta no longo prazo tornou-se igualmente popular".

Apetite chinês - O caso da China é emblemático. Detentor de mais de US$ 2 trilhões em suas reservas internacionais, o país tem manifestado preocupação com a desvalorização do dólar nos últimos anos, a ponto de discutir com outros países em desenvolvimento a criação de uma nova moeda de reserva para o mundo. Ao mesmo tempo, a China é o maior importador mundial de matérias-primas, especialmente de metais industriais e alimentos, cujos preços tendem a subir no longo prazo.

O Partido Comunista então aproveitou os preços relativamente baixos de minérios e grãos e recompôs seus estoques, com o objetivo de abastecer as indústrias locais durante o processo de recuperação da economia. A estratégia fez com que as importações chinesas de diversos produtos batessem recorde no início de 2009, aumentando de modo significativo sua participação na demanda mundial por commodities.

Entre janeiro e abril, por exemplo, a participação da China na demanda por aço atingiu 43%, ante 39% um ano antes. No mercado de cobre, sua fatia cresceu de 27% para 38%. Além disso, a China deve responder por 53% da demanda internacional por soja na safra 2008/09, ante 48% em 2007/08.

"Em sua gestão das reservas internacionais, o Partido Comunista provavelmente teve melhor desempenho que a maioria dos fundos privados no último ano. A China capitalizou a crise financeira que paralisou as economias 'desenvolvidas' ao estocar commodities baratas, minar a competição de suas principais estatais e adquirir mais ativos internacionais", afirma o Barclays.

Segundo analistas, o apetite chinês ajuda a explicar, com base em fundamentos, a forte recuperação das commodities metálicas em 2009. O problema é que o processo de recomposição dos estoques parece estar perto do fim, o que pode retirar o suporte em que o mercado se sustentou nos últimos meses. "Além disso, para a China produzir, o mundo precisa comprar. E aí está a questão: Os Estados Unidos, principal cliente, continuam patinando; Europa e Japão também", alerta Nilson Monteiro.

Férias de verão - Monteiro prevê uma acomodação dos preços das matérias-primas no terceiro trimestre, período de menor movimento nas bolsas por causa das férias de verão no Hemisfério Norte. Na verdade, os mercados já corrigiram parte dos ganhos expressivos do último trimestre nas duas semanas finais de junho, o que revela uma maior cautela em relação à demanda e à recuperação das economias.

Segundo analistas, sinais de agravamento da recessão e novos surtos de aversão ao risco podem derrubar novamente os preços. A própria elevação das commodities pode atrasar a recuperação da economia. "Para cada dólar de aumento no preço do petróleo, o mundo gasta mais US$ 30 bilhões em consumo", alerta Vinícius Ito, operador de commodities agrícolas da corretora Newedge US, em Nova York.

Monteiro se diz otimista em relação aos preços das commodities no longo prazo, mas não arrisca previsões. "É difícil falar em tendência depois do que aconteceu em agosto do ano passado. Estamos diante de variáveis que são inéditas e precisam ser estudadas. A alta recente pode sinalizar uma reversão de tendência, mas também pode ser apenas uma correção da forte queda ocorrida após o estouro da crise", diz. "De fato, entre todas as mudanças que colocaram as commodities em ebulição nos últimos tempos, a mais importante é a de que o 'normal' não é mais o que costumava ser", sentencia o Barclays. (Gerson Freitas Jr.)

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