quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Painel 21/10

ENTREVISTA:IOF TRAZ RISCO ALTÍSSIMO DE PERDA DE LIQUIDEZ, DIZ FRAGA

ENTREVISTA:IOF TRAZ RISCO ALTÍSSIMO DE PERDA DE LIQUIDEZ, DIZ FRAGA

São Paulo, 21 - O ex-presidente do Banco Central (BC), sócio-fundador da Gávea Investimentos e presidente do Conselho de Administração da BM&FBovespa, Arminio Fraga, considera que a taxação do IOF nos fluxos estrangeiros para a Bolsa traz “riscos altíssimos” de desviar a liquidez do mercado acionário brasileiro para o exterior, prejudicando médias empresas e contribuindo para concentrar mais o poder econômico no Brasil. Em entrevista ao repórter Fernando Dantas, do Estado de S.Paulo ele frisa, porém, que considera totalmente legítima a preocupação do governo com o câmbio. Da França, em férias, ele falou com o Estado por telefone.

Estado - O que o sr. achou do IOF nas aplicações de renda fixa e na Bolsa?

Armínio Fraga - Acho que a preocupação do governo com câmbio é legítima. Mas, do ponto de vista do mercado de capitais, a tributação, da bolsa especialmente, me parece trazer poucos benefícios e altíssimos custos. Espero que em algum momento essa política possa ser revista. O Brasil está indo bem, está se destacando, e isso cria realmente um interesse muito grande. Como lidar com essa abundância de capitais é um problema. Um bom problema, melhor que o oposto, mas que merece ser debatido, analisado e ter respostas que tragam genuinamente benefícios para o País. Sempre há custos, mas não vejo na tributação de investimentos de curto prazo (em renda fixa) algo que tenha consequências tão graves quanto a tributação de investimentos na Bolsa. Não estou defendendo tributar o instrumento de curto prazo, mas acho que, em comparação com a Bolsa, os custos são menores.

Estado - Por quê?

Fraga - A Bolsa no Brasil está se desenvolvendo bem e se tornando uma fonte de capital importante para o crescimento e o desenvolvimento. O capital da Bolsa, esse que as empresas estão levantando todo dia no mercado, é o capital de mais longo prazo que existe. Quando uma empresa emite uma ação, o dinheiro não sai mais de lá. Alguém pode mudar de ideia e querer vender, mas isso são outros quinhentos. O capital produtivo está lá e fica. Esse capital precisa ser bem tratado, o que significa, para nós, ter no Brasil um centro de liquidez. E a nossa Bolsa é de fato um centro de liquidez local, e potencialmente regional, especialmente para as empresas médias. Essa liquidez é muito importante para ter um mercado de capitais vibrante e, se a perdemos para os mercados internacionais, vai haver um custo elevado e de reversão difícil. Houve o caso da Libor. O mercado de juros em dólar cresceu e se desenvolveu, num certo período, mais no exterior do que nos Estados Unidos, em função de tributação - o “L” de Libor é Londres.

Estado - É alto o risco de migração de liquidez?

Fraga - É um risco altíssimo num mundo mais globalizado: o capital vai para onde pode se movimentar sem fricções. As maiores empresas podem ter liquidez fora do Brasil. Mas penso que isso não é do nosso interesse porque, com o tempo, faria o mercado local minguar. Não existe espaço no mundo para muitos mercados de peso, e o Brasil tem todas as condições de ter o seu. Mas, para que isso ocorra, é preciso ter a participação de investidores do mundo inteiro, de curto, médio e longo prazos. O mercado é feito disso. É muito mais simpático atrair investimento de longo prazo,mas os mercados não funcionam sem todas aquelas dimensões. Quando se tira a dimensão da liquidez, deixa de ser interessante.

Estado - A medida afeta mais as empresas médias?

Fraga - Com certeza. O mercado para elas já não é muito líquido. Se se retira essa importante fonte de liquidez, que vem de fora, a coisa se complica ainda mais. Aliás, uma característica do mundo econômico-financeiro global hoje é uma certa tendência à concentração. Acho que o governo tem obrigação de ficar de olho nisso e tentar interferir para que esse processo não vá longe demais. Não é bom ter uma economia muito concentrada, muito monopolizada. O cidadão e o consumidor saem perdendo, assim como o dinamismo da economia. Quem pode perder também é o empresário brasileiro que nunca teve acesso a capital, que não faz parte dos grupos antigos, tipicamente muito concentrados.

Estado - O que poderia se fazer para segurar o câmbio?

Fraga - Acho que o Estado tem um papel, sim, de administrar a volatilidade dos mercados, mas não penso que aquele seja o caminho. Em relação ao câmbio, especificamente, a política fiscal é um instrumento indireto que pode ser dos mais eficazes. Se houver um ajuste, com visão de longo prazo e credibilidade, acho que há um enorme espaço para derrubar as taxas de juros, e isso teria um impacto proporcional no câmbio. E, se houvesse o desejo do governo de uma intervenção mais agressiva no mercado de câmbio, ela custaria muito menos, por causa dos juros baixos. A meu ver, essa seria a resposta mais poderosa.

Estado - E o IOF vai funcionar?

Fraga - Vejo algum impacto de curto prazo de medidas que afetem o fluxo de curto prazo (de renda fixa). Mas acho que no médio prazo não tem. Não vejo muita mágica aí, não. Uma possibilidade para se ter o câmbio mais desvalorizado - e não quero parecer sarcástico - viria pelo lado negativo, se tivéssemos problemas,conduzíssemos mal nossa política econômica. Isso poderia ter um impacto, minar a confiança, e aí faria o câmbio subir. O que não seria bom.

Estado - O sr. se preocupa com a possibilidade desse tipo de deterioração no fim do governo?

Fraga - Tenho uma preocupação antiga, que não é de final de governo nem é deste governo. Ela, inclusive, vem desde o governo anterior, do qual fiz parte. Diz respeito a um certo descontrole do gasto público, que me preocupa muito. Há também, por outro lado, tanto aqui como no resto do mundo, o risco de alguma perda de disciplina no fim do governo. Mas o Brasil está numa trajetória boa, e continuo otimista. As informações são do jornal O Estado de S.Paulo. (Fernando Dantas)

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